sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Piauí, uma revista sem gravata









Na primeira semana do mês de outubro do ano passado chegava às bancas uma nova publicação. Editada mensalmente, a piauí pretendia preencher um nicho do mercado de revistas, ocupado principalmente por notícias factuais ou temas segmentados, como a cultura. A revista pretendia ser um espaço para reportagens, perfis, ensaios, crônicas, diários e texto ficcionais. A condição para uma matéria ser publicado era simples: uma boa história, bem narrada.

Um ano depois do lançamento da revista, o Observatório da Imprensa na TV, exibido na terça-feira (2/10), trouxe uma entrevista de Alberto Dines com o editor da piauí, o documentarista João Moreira Salles, para um balanço deste período. Idealizador da publicação, Salles é formado em Economia e pretende dedicar-se mais dois anos exclusivamente à revista, até que ela possa "caminhar com as próprias pernas".

Antes do final de cada bloco do programa foi exibida uma entrevista gravada. Na primeira delas, o publicitário Washington Olivetto afirmou acreditar que o resultado comercial da revista no primeiro ano foi melhor do que o previsto inicialmente. Mario Sergio Conti, diretor de redação da piauí, explicou que as matérias publicadas na revista surgem a partir da iniciativa de cada colaborador. Para Conti, quando a pessoa sugere a matéria, ela fica mais interessante. O jornalista Luis Nassif, que está escrevendo uma biografia do banqueiro Walther Moreira Salles, pai de Walter Salles Jr, João Moreira Salles e Pedro Moreira Salles, falou sobre os valores da "família mineira" passados pelo patriarca e contou que a babá que ajudou a criá-los os colocou "em contato com o povo, com o mundo".

Dines abriu o programa com uma pergunta sobre o nome da revista. Salles contou que o título é "insensato no bom sentido", não tem nenhum significado. Durante o último ano do processo de criação, o grupo que elaborava a revista cogitou vários nomes, mas não conseguiu entrar em acordo. "É um nome afetivo, cheio de vogais. Eu acho a sonoridade bonita, ele é bonito também quando é escrito. É um nome pelo qual você pode se afeiçoar", explicou.

O título não é uma referência ao estado do Piauí, na região nordeste do país, mas Salles confirmou que a revista tem a proposta de tratar de temas fora do eixo Rio-São Paulo-Brasília. O editor informou que a revista foi bem recebida em Teresina, capital piauiense, e disse que esta é a única revista que cobre o Piauí. "Algumas pessoas publicaram que pudesse ser uma brincadeira, uma galhofa. De jeito nenhum, a revista é séria", disse.

Sem a pressa do deadline

O estilo sereno da revista é reflexo da personalidade de João Moreira Salles. "Eu não queria uma revista para ficar gritando, urrando", contou. O editor ressaltou que o gênero "estridente" tem o seu espaço e que é importante existir uma imprensa que "grite". Apesar de não ter a premência da notícia urgente, a revista não é apolítica, ela toma posições. O diferencial da revista, na visão do editor, é que ela pode ser mais lenta dos que as outras, pois a equipe tem mais tempo para escrever e apurar.

Salles acredita que o sucesso da publicação é uma resposta a quem duvidou do projeto por acreditar que toda leitura deveria ser, necessariamente, utilitária. O editor contou que se sentia órfão de uma revista com esse perfil, e surpreendeu-se ao encontrar um número muito maior de pessoas que também gostariam de ler uma revista como a piauí. Antes do lançamento, Salles consultou informalmente alguns profissionais do mercado editorial. As previsões mais pessimistas avaliaram em 5 mil o número de possíveis leitores de uma revista com o perfil da piauí. Outros acreditaram que esse número poderia chegar a 12 mil. Hoje, a piauí circula entre 35 e 37 mil exemplares, dos quais 16 mil para assinantes.

O editor de piauí lembrou que a indústria publicitária recebeu o produto com cautela, mas disse que entende a reação do meio porque não havia um leitor-padrão definido. Salles esclareceu que, voluntariamente, não encomendou nenhuma pesquisa para definir qual seria o público-alvo da revista: "Quando você faz uma pesquisa e define quem é o seu leitor, você acaba fazendo uma revista para este leitor. Aí, você deixa de surpreendê-lo", disse.

Com o tempo, as agências perceberam que o leitor do produto não poderia ser definido por critérios como idade, gênero ou renda. Para Salles, é possível afirmar que a maioria deles tem nível superior, é curioso, tem o hábito de freqüentar livrarias e gosta de ler. "É alguém com quem o mercado publicitário quer falar", afirmou. A edição de aniversário tem cerca de 30 páginas de anúncios, num total de 78 páginas, o que poderia ser uma mostra da confiança do mercado. Salles frisou que, como qualquer outra operação econômica, a revista precisa ser bem-sucedida porque não é subsidiada.

"A graça da piauí é que ela é quase inventada do zero a cada número", disse. A revista não tem colunista nem é dividida por editorias. Os assuntos não precisam estar presentes em todas as edições, o que torna a revista maleável. Dines então perguntou sobre a organização da revista. Salles disse que o fato de a redação da piauí ser pequena – são apenas três salas interligadas – facilita a conversa e o "trânsito de idéias". Apesar de não haver uma hierarquia rígida, a edição final da revista fica a cargo de Mario Sergio Conti: "É ele quem decide o que entra na revista. Os textos são bastante editados, o que é uma das características da piauí".

Inspirações e modelos

Salles contou que os colaboradores da revista nunca fizeram uma reunião de pauta. Cada um sugere a matéria diretamente a Conti, e este avalia. Os jornalistas Dorrit Harazim e Marcos Sá Correa também editam o material que será publicado. "É uma redação pequena, de pessoas que, depois de um ano, se dão muito, muito bem. É um bom lugar para trabalhar. As pessoas se sentem muito próximas, são amigas." Salles contou que sentia falta de um ambiente desse tipo para trabalhar porque o trabalho como documentarista é mais solitário.

O formato da revista sofreu influência de publicações que o editor leu ao longo da vida, como a norte-americana The New Yorker, mas que não copia nenhum modelo. Salles disse que formato é original e que não existe uma revista parecida com a piauí dentro ou fora do país. "Toda revista que conseguiu exalar o ar de seu tempo conseguiu porque foi original", comentou. Alguns exemplos que o editor citou são os periódicos Pasquim, Senhor, Realidade e Veja e os jornais Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil. "Se você tentar reproduzir um modelo, você quebrou a cara", disse.

Dines abordou a influência do jornalismo narrativo – gênero surgido nos anos 1950 nos Estados Unidos, que mistura a narrativa jornalística com a literária – na carreira de Salles, que afirmou que o estilo marcou tanto a sua trajetória como documentarista quanto a experiência à frente da revista. Os escritores Joseph Mitchell e Lilian Ross foram citados pelo editor como os expoentes do new journalism que mais o marcaram.

Para Salles, os textos da publicação são muito diferentes entre si e não tentam imitar o new journalism. A tensão narrativa seria o fator em comum entre os textos, que não têm lead e sublead. Para o editor, a reportagem é boa quando o leitor chega ao final de uma história sobre um assunto que não lhe interessava ao começar a ler. "Qualquer assunto bem narrado é um assunto interessante", avaliou. O editor ressaltou que, ao contrario da idéia de que todos os artigos da revista são muito longos, os textos têm apenas o tamanho que precisam ter para contar determinada história – e que há um equilíbrio entre os mais longos e os menores.

Os investimentos e custos da revista também foram comentados no programa. Dines chamou a atenção para uma matéria que Salles escreveu sobre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para fazer a reportagem, Salles viajou para a Europa e os Estados Unidos acompanhando o ex-presidente por cerca de 15 dias. O editor contou que a revista foi planejada para comportar este tipo de investimento, que freqüentemente enviará colaboradores para fora do país, e explicou que algumas matérias feitas no Brasil também precisam de investimento porque demoram meses para ser apuradas e escritas. "Se você coloca isso na ponta do lápis, é caro. A aposta é que isso se dilua com o tempo", disse. O editor frisou que nenhuma reportagem da revista é feita sem que o autor saia da redação.

Cultura na piauí

Assuntos como teatro e arquitetura estão presentes na revista, que opta por publicar poucos ensaios por ser, essencialmente, uma revista de reportagem. A cultura poderia, por exemplo, ser contemplada por meio do perfil jornalístico de um dramaturgo ou cineasta.

Salles criticou o vício da imprensa cultural de tratar cultura como furo jornalístico. A lógica de publicar antes dos concorrentes valeria para notícias, mas não para cultura. "Essa pressa gera resenhas superficiais e apressadas. Se amanhã o Joyce lançasse o Ulisses, as pessoas teriam que ler em duas horas para fazer a resenha", disse, a respeito da obra do escritor irlandês James Joyce, publicada em 1922, e que tem cerca de 800 páginas. Para Salles, o que importa é ler "a grande resenha", mesmo que depois do lançamento. Também criticou as entrevistas de perguntas e repostas curtas, as que o jargão chama de "pingue-pongue", e os repórteres que fazem as entrevistas com as e perguntas prontas, sem diálogo com o entrevistado.

João Moreira Salles revelou que quando a revista foi criada havia pressão para editá-la em São Paulo, onde estaria a maior parte da grande imprensa, dos possíveis leitores e do mercado publicitário; mas que optou por publicá-la no Rio de Janeiro, onde sempre viveu. Salles acha que a piauí tem características parecidas com a cidade: "Ela não se leva a sério, ela é divertida, ela não é sisuda. Não usa terno e gravata, ela quase usa bermuda".

Fonte: Por Lilia Diniz em 3/10/2007 - Observatório da Imprensa

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