domingo, 2 de setembro de 2007

O Cruzeiro

Dois movimentos caracterizam a imprensa carioca na década de 1920: o aparecimento de um Jornalismo sensacionalista e o surgimento dos Diários Associados. Espelhando de certa forma o chamado pensamento conservador, os jornais da cidade adquirem características peculiares. Para uns o sensacional é a grande arma de conquista do público. Para outros, a ação política seria fundamental.

Em meio a esses dois movimentos, os Diários Associados lançam aquela que seria a principal revista ilustrada brasileira do século XX :O Cruzeiro

No final dos anos 1920 surge na cena carioca uma revista aberta a novas possibilidades de leitura para este fugaz leitor de notícias. A leitura da imagem ganha destaque na cena do Jornalismo, com a criação deste novo periódico.

As estratégias de publicação moldam práticas de leitura. Cria-se, em conseqüência, novos gêneros de textos e novas fórmulas de publicação. Ao diversificar a forma e o conteúdo dessa imprensa diária ou semanal alarga-se, a rigor, esse auditório fugaz e nem sempre visível. Cada nova publicação cria novas formas de organização e de transmissão dos textos, consolidando uma certa cultura escrita.

A revista surgiu em 10 de novembro de 1928. Cinco dias antes, 4 milhões de folhetos – um número três vezes maior do que o de habitantes da cidade – são atirados do alto dos prédios na cabeça de quem passa na então Avenida Central. Os volantes anunciam o aparecimento de uma revista “contemporânea dos arranha-céus”, uma revista semanal colorida que “tudo sabe, tudo vê”. Os panfletos trazem no verso anúncios que serão veiculados pela nova publicação.

Que tipo de sensação causara na cidade estas estratégias? Teriam elas levado o leitor de 1928 a comprar cinco dias mais tarde a nova publicação que trazia numa capa inundada de cores a figura desenhada de forma hiper-realista de uma mulher?Além da profusão de cores, a capa do número um chama a atenção para o caráter do desenho do rosto de mulher que a ilustra: a figura de uma melindrosa. Unhas cintilantes, sombra nos olhos e boca pintada. Completando a atmosfera, sobre o rosto da melindrosa as cinco estrelas de prata do Cruzeiro do Sul que haviam inspirado o nome da revista. Abaixo do título a complementação: Cruzeiro é uma Revista Semanal Ilustrada.

Com a redação, administração e oficinas funcionando na Rua Buenos Aires, 152, Cruzeiro é dirigida por Carlos Malheiro Dias. Possui agentes em todas as cidades do Brasil e correpondentes em Lisboa, Paris, Roma, Madrid, Londres, Berlim e Nova York. O número avulso custa 1$000 e a assinatura anual em todo o território nacional é de 45$000. No exterior o preço aumenta consideravelmente: 60$000. Ainda neste primeiro número anunciam a tiragem do novo periódico: 50 mil exemplares. (Cruzeiro, n. 1. 10/11/1928)

Quase a metade das 64 páginas da revista está repleta de anúncios. Além de páginas inteiras a cores oferecendo os automóveis Lincoln, as novas vitrolas da GE e filmes da Metro Goldwyn Mayer, há também uma profusão de pequenos anúncios: de produtos de higiene à casas de tecidos, de hotéis à cabelereiros; de fogões a gasolina à restaurantes. Profissionais liberais, como médicos e advogados também anunciam em suas páginas. Remédios e elixires os mais diversos completam a extensa lista.

O texto de apresentação do primeiro número traça inicialmente um paralelo entre o nome da publicação e a história do próprio país. Assim Cruzeiro é, ao mesmo tempo, “fonte de inspiração para os primeiros nomes do país”, “a constelação que guia os navegantes”, “o nome da nova moeda brasileira” e o “símbolo da bandeira”. Dessa forma é, ao mesmo tempo, símbolo cristão e símbolo-síntese da nacionalidade. Por tudo isso“Cruzeiro é um título que inclui nas suas três sílabas um programa de patriotismo”.

O mesmo texto particulariza para o leitor as diferenças básicas, na concepção da época, entre revista e jornal:

“Um jornal pode ser o órgão de um partido, de uma facção, de uma doutrina (…) A cooperação da gravura e do texto concede à revista o privilégio de poder tornar-se obra de arte. A política partidária seria tão incongruente numa revista do modelo de Cruzeiro como num tratado de geometria (…) Uma revista deverá ser, antes de tudo, uma escola de bom gosto”.

A revista construiu-se como testemunha de uma época, reproduzindo, com o apoio sempre da fotografia, momentos que são apresentados como unícos. Constrói-se dessa forma como produtores de uma história futura. E seus dirigentes e jornalistas sabiam desse papel.

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